Mario Quintana
INTERVALO
Nawi Ollin
XLV
– Chuva de sonhos
Experiência intentada
No barco o monstro de penas brancas
No rio o homem de penas negras.
Filho do peixe
Pedra na relva vazia
Moléculas de medo
Partículas de desejo inverso
Solidão no poço do mundo
Fracasso largo…
E fundo…
Lugar distante
Idéia vaga de algo forte
Porte de Inverno
Quase Outono
Eu diria –
Por um fio de dia
Entre pétalas amarelas
De uma rosa sem espinhos…
Palavra poética em prosa vasta
Livro farto de alegrias irregulares
– Espinhos na alma cravados em antigos sonhos –
Risonhos pesadelos sutis
Viris caminhos estranhos
É ponta, mas corta
Lança que não mata, mas fere
Encantos saciados
Oníricos estados
No canto quente do mundo
Lugar distante da boca d’alma
Vitória! Seria se viesse calma
Viveria satisfeito com um pouco mais que nada.
Viveria…
Estreito estado de euforia
Brisa constante em uma cama no céu
Durmo
Aceito minha vontade de dormir
Insano desejo
Idílio recente
Inquieto
Enriquecido
Dama negra no baralho de ouro
Cultivo do desdobramento
Momento de névoa clara
Espaço cíclico sem mapa ou referência
Viagem inelutável
Rota impalpável
Destino inseguro na maneira de ser
Riso sem boca
Brilho no claro
Placebo de amor…
Sentir em dias antes do dia
Nas pedras de singelas vidências
Segredo puro do saber
Manhã fria
Rabisco nulo
Vontade de te ver…
Lugar distante
Dual fascinante
Avesso neutro
Sentimento liso
Significante período de silêncio
Silêncio do âmago
Silêncio exposto primitivamente
No ápice eterno
Do retorno constante da criação.
Morfosentido
Crase na palavra mútua
Verso inverso do último soneto
Pintura fria de moldura esplêndida
Silenciado estava o dia
Silenciado estava,
Não mais estaria.
Lugar distante
Sorriso brando na face da Lua
Noite nua.
Chegara…
Sinal flexível do destino…
Eis o destino!
Figura calada
Que sobre o tempo, é encantada.
Mobilidade fundada
Entre o abismo e a escada.
Toque preciso de provável infinito.
Universo irrestrito,
Tecido intrincado,
Sentido secreto
Indiscreto.
Pupilo astuto da
Palavra pura
Que define
A cura
E desemboca
A base de troca
Temido instante distanciado da
Palavra simples
Que define
A vida no horizonte extremo do céu
Sentido curvo da
Palavra reta
Fim intentado no início
Água fervida
Líquido quente de euforia
Vapor instável de livre arbítrio
Reversa ira
Transmutação da palavra pura
Loucura incerta ou certeza turva
Máscara vistosa de pedras falsas
Metamorfose da palavra dor
Eis o destino que finda.
Seguro poeta.
Com testemunho da palavra
Amor.
Eis o destino perene
Unidade central
Animal voraz
E intranqüilo.
Como um humilde poeta, cismo:
– Escolha tu o céu
Na ponta incerta do
abismo.”
LXXXIII
-Nawi Ollin-
Quente…
Predominantemente quente.
Da chuva resta fumaça.
A chama abstrata de anti-massa
é levada
Como se nada fosse mutável.
Toque macio que destrói barreiras
Completamente infundadas
Antecedendo o primitivo.
Quente como o sabor
Do primeiro riso.
Sabor nulo
Quando entra em cena
O ator maior,
O ápice do talento,
O maquinista impossível do tempo.
Ehekatl Matlaktli
XLVI
O som do meu instrumento.
Vida.
A nota solta gira em órbita.
Equinócio musical.
Solto a voz, vibro as cordas antes pregadas.
Pulo no vácuo e, ao perceber que é vácuo, fabrico o ar.
O sentir deixa de ser questão. É como se fosse outro patamar do sentir e que, por o ser, deveria ter outro nome além do sentimento. Mas agora, identificando o meio, não me importam os nomes.
Ouça. Perceba a tez invisível da harmonia. Entenda o percurso aquático da melodia. Matematicomelodia.
Caixas de vidro saem do meu corpo como as gavetas de Dalí. Dentro delas há mistério. Dentro deles há ternura.
Ando em direção ao meu reflexo animado.
Nawi Ollin
LVI
Sobre os metais
Tenho a dizer:
– Lavem-se!
Sobre a madeira
Ateio o fogo.
Sobre a água
Meu barco navega
Navegam sentidos
Erros assumidos
Sobre a alma
Calo
Montanha das delícias
Ilusão de dádiva
Sobre a alma
Falo
Apenas do seu relevo
O resto
Que é alma por si só,
Escrevo.
LVIII
Faremos poesia
Subindo na árvore
Cheirando sua copa
Que vai dar no céu
Faremos escritos
Os nossos instantes
Voando com o vento
Pousando em flores
Correndo na Lua
Do escuro ao claro
Faremos pinturas da alma
Músicas lidas
Deitados no cosmo
Como se o firmamento
Fosse um rio
Rio de estrelas firmamento vazio
Peixe sem cor, submerso em terra
Faremos poesias por que somos
Água suja penetrando o ventre
Para formar uma lavra de sonhos
Faremos poesias férteis
Que por si só se criam
E somos o manejo delas
Eucaliptos tristonhos…
LIX
Mão minha.
Mão dela.
Mão
Sem pele
Calor
Ou devaneio.
Mão minha
Suor dos ossos
Mão dela
Unhas flutuam no espaço
Sem sombra
Sem curvas
Sem vãos.
Mão minha
Costura do destino
Cose o tempo
Mão dela
Escondido desatino
Funde-se ao corpo
E me nivela.
LX
Corro como
Um corredor
Do rio à cabana
Sem palha, sapé ou folha de bananeira
Corro como
Um corredor
Na pista de um terço de vida
Pode ser um quarto
Escuro talvez
Ou apenas
O preto e branco retrato
Corro até não ter
Aonde chegar
Sigo os meus pés
Redimo-me ao céu
Viés
Da areia que dá no mar
Corro no corpo deitado
E paro
Como param o tempo
Quase sempre os deuses
Na costela desta Terra
Na cabeça desta vida
Neste pouco fio de cabelo
Que superam
As estrelas da noite
Que é fraca existência
Carência do eterno
Ou uma tola poesia.
-Nawi Ollin-
Vai!
Toca
Faz este ruído
Que se não incomoda
Enche-me de prazer.
Vai!
Faz o seu barulho
Vindo do inferno
Que era ontem
E agora sempre
Eterno.
LXXXIV
-Nawi Ollin-
São crianças.
Por dentro crianças.
Por fora iguais.
No mundo onde não há guerras,
O mundo humano mais distante das trevas,
Como estrelas que dançam na areia.
Grãos do infinito.
São crianças aqui
E também na minha terra
A mesmas crianças.
O que as diferem são os adultos que ao redor delas semeiam.
LI
A nau Canavial
Vi-
Ver de
Quase azul
Sem saber
Sobre a mesa
Sobremesa
Ser-
Ra, paz
Reina o Sol
Silenci-
Ar: respiro
Sentir que
Sem ti
Sigo e acordo
Se hoje acordei
Cortando os cordões
As cores percorrem
O caule a desabrochar
Sou e já sei
Sei lá se sou já
Distante ironia-
Do instante do dia
Passa a pó
Assa a fé
Tomba e ri
Caça na ra-
-ça cada aprendiz
Gato Preto
Tenta e são
Tempos tão
Curtos, sutis
Finda, nada
Nada flor
Sem feliz
Cata-vento
Para ver não há
Nada mais que um
Breve entardecer
Sair do chão
Pássaro passado
Passa a vez
Ser sabe lá
Rede, noite. Ver
Como o céu
Ser o que sou
Pó, breu
Perdi a cosmopolita.
LII
Em baixo da fumaça tem a praça.
A praça dos pequenos cães confusos.
Encostam os seus corpos pelo muro.
O muro de seus próprios pensamentos.
Os donos destes cães são violetas.
Violam todas as regras da cidade.
Sentem-se em total capacidade.
Saciedade em atitudes violentas.
Um até me chamou um dia.
Olhei-o com o canto de meus olhos.
Cantou então um verso da estrada.
E me chamou de poeta melodia.
– Cinqüenta e dois vezes cinco
Incontáveis sincronias
Acordei nove vezes
Contei treze meio dias. –
LXIII
-Nawi Ollin-
O vento me leva distraído
O vento me leva distraído
O vento me leva distraído
O vento me leva distraído
Falo assim, repetitivamente,
Porque é só
O vento a me levar distraído.
E não sei se é o vento ou a minha distração,
Mas me basta!
O vento me leva distraído…
LXV
-Nawi Ollin-
Seguro a ponta do meu pé
Com a mão
O resto não importa!
Sinto a pressão que fazem os dedos
Sobre os dedos e o peso do calcanhar
Sobre algo que não sei
Porque não importa saber
Qualquer pessoa que me visse agora
Diria que meu pé pousa sobre o chão
Mas eu juro, por todos os deuses
Que não existem,
Que não há
Espaço entre o pé e o chão
É espaço vazio
Não é quente
Tão pouco frio.
LXX
-Nawi Ollin-
Ouço a música
de duas nuvens pequenas a beirar uma gigantesca tempestade de algodão!
XXI
-Nawi Ollin-
Vejo
Sistêmico
Relampejo
Anêmico
De idéias.
Qual sorte
A sina leva?
A qual sina
A sorte entrega
O sinal da morte?
Vejo
Abuso
Perdôo
Não falo
Nem calo
Nem unha
Nem dedo
Nem vão.
Semeio
Solo negro
Dicotiledôneas
Num frevo
Que gira
Que pula
Que abaixa
Para beijar
O coração da Terra.
.
LXXXVI
-Ehekatl Matlaktli-
Entre estas paredes há um sonho denso. Sonho com a cidade do sul. Cidade de pontas brancas que indicam o céu. Cidade dos cisternos, tão fixos, tão frescos, tão eternos…
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