Curso intro – Calendários Mesoamericanos

8 de agosto de 2015 by in category Grupo de estudos, Textos 13.31 with 0 and 0

INTRODUÇÃO

Os estudos realizados nas últimas décadas vêm revelando que tudo na história da América é muito mais antigo do que se supunha antes. Embora não comprovado totalmente, é muito provável que a presença do homem no continente date de pelo menos 30.000 anos atrás. Na região da Mesoamérica os vestígios humanos mais antigos remontam a 10000 a.C., segundo os achados arqueológicos de Tepexpan e Tlapacoya, embora vestígios não humanos – como artefatos associados a fósseis animais – sugiram uma presença que date de pelo menos 20000 a.C.
Por volta de meados do quinto milênio a.C. iniciou-se na região mesoamericana o processo que desembocará na agricultura, processo este comprovado pelos achados arqueológicos das cavernas da serra de Taumaulipas e de Cozcatlan (Puebla), que mostram o incipiente cultivo da abóbora, da pimenta malagueta, do feijão e do milho. Vale lembrar que a agricultura foi, por excelência, a atividade provedora de sustento na região mesoamericana, já que o pastoreio era praticamente inexistente e a caça foi sempre uma atividade complementar. Esta centralidade da agricultura trouxe aos povos mesoamericanos – e de outras partes do continente – um excepcional saber agrícola que culminou com a chamada invenção do milho, por volta do ano 3000 a.C..
A palavra invenção é empregada pelo fato de o milho silvestre ser uma pequenina planta, cuja espiga não ultrapassa dez centímetros, e que foi desenvolvida até a obtenção dos diversos tipos de milho que conhecemos hoje e que dependem exclusivamente do cultivo humano, ou seja, não se reproduzem se não forem plantados pelo homem.A importância deste feito agrícola – talvez ocorrido fora da Mesoamérica – foi entendida pelos povos mesoamericanos, que narraram em suas cosmogonias que a atual humanidade teve a carne de seus corpos feita com a massa do milho – como no texto do Popol vuh – ou que os homens foram alimentados pelos deuses com a massa desta planta – como no texto da Leyenda de los soles. É interessante notar que a data atribuída ao início da atual idade, segundo uma estela maia de Tikal (3113 a.C.), coincide aproximadamente com este feito agrícola que ocorreu por volta do ano 3000 a.C..
Na região do Golfo do México, por volta de 2300 a.C., nota-se uma acentuada produção de cerâmica e em 1300 a.C. é perceptível o início da urbanização promovida por grupos que habitavam os atuais Estados de Tabasco e sul de Veracruz, região chamada de Olman, que significa terra da borracha ou terra dos olmecas.
Pelos achados arqueológicos é possível identificar a existência de um desenvolvido e freqüente comércio e intercâmbio cultural que, partindo desta região, espalhou-se por outros locais, consolidando assim o chamado mundo olmeca, que iniciou, a partir de 1200 a.C., uma nova etapa na história mesoamericana. Esta etapa foi marcada pelo surgimento e difusão de centros cerimoniais, por uma maior densidade populacional, por um intenso comércio e artesanato e pelo desenvolvimento da escultura em pedra, principalmente na região da atual Guatemala e na Costa do Golfo, que manifestou-se através de esculturas de deuses gordos, de estelas e atlantes. Além disto, as diferenciações internas de antigas sociedades aldeãs, refletidas nas diferentes qualidades de oferendas em enterros, também são notadas principalmente nesta área, de onde parecem irradiar-se depois.Encontram-se também presentes nesta região sinais que evidenciam a presença de campos de jogo de pelota, de baixos relevos que podem referir-se a uma deidade jaguar, a uma serpente aquática e a um dragão celeste, além de espelhos de hematita pendurados no pescoço, dos trabalhos em jade, das máscaras de jaguares, aves e outros seres.

O termo Mesoamérica foi utilizado pela primeira vez por Paul Kirchhoff em 1943, que desenvolveu este conceito a partir das reflexões e estudos de Clark Wissler e de Eduard Seler. Para Kirchhoff, o conjunto de características comuns aos povos mesoamericanos eram: a utilização de um bastão plantador chamado coa, o cultivo do milho e sua transformação em nixtamal e em massa, a produção de papel, aguamiel e pulque a partir do maguey, o cultivo do cacau, a construção de pirâmides escalonadas, a prática do jogo de pelota e a produção de armas com bordas pétreas.
Com o avanço dos estudos sobre a Mesoamérica, as características propostas por Kirchhoff tornaram-se menos importantes diante do entendimento de outras complexas realizações culturais. Atualmente, os especialistas em Mesoamérica acreditam que as principais características desta região eram: a utilização de um preciso sistema calendário baseado em dois ciclos concomitantes, a convicção da existência de vários sóis ou idades anteriores, a divisão do espaço horizontal em quatro direções e um centro e do espaço vertical em treze céus e nove inframundos, a produção de livros e a presença de três grandes famílias lingüísticas. Miguel León-Portilla acrescenta ainda algumas convicções que marcariam fortemente o pensamento mesoamericano, dentre as quais podemos destacar: a formação e o desenvolvimento do cosmos foi gerado a partir de uma dualidade essencial, os homens  devem agir de acordo com os destinos determinados pelo tempo e manifestos nos calendários adivinhatórios.
De qualquer forma, é mais ou menos consensual que a região mesoamericana vai desde o centro de Honduras e noroeste de Costa Rica até o México, onde seus limites são os Estados de Taumalipas (rio Soto la Marina) e Sinaloa (rio Fuerte), e de uma a outra costa marítima. Esta unidade é marcadamente perceptível desde o chamado Período Clássico (200 a.C. – 800 d.C.) até, pelo menos, o século XVII  Esta região abarca 906 mil km2 de área e uma grande diversidade ecológica e geográfica, além de uma complexa história geológica, repleta de soerguimentos de montanhas e atividades vulcânicas recentes.
Contavam os mesoamericanos com um sistema calendário de dois ciclos concomitantes. O xihuitl (haab-maia) correspondia ao ano sazonal, sobre o qual pesa a dúvida de ser um ano sideral (365,256 dias) ou solar (365,242 dias). Cada ano sazonal era dividido em dezoito períodos de vinte dias – vintenas – mais cinco dias finais considerados baldios, ocos, vazios ou nemontemi (uayeb). Estes anos eram contados com quatro signos – escolhidos dentre um importante conjunto chamado de tonalli (arquétipos)  – que eram utilizados treze vezes cada, de forma alternada. Assim, se os signos fossem acatl (cana), tecpatl (pedernal), calli (casa) e tochtli (coelho), a contagem seria 1 acatl, 2 tecpatl, 3 calli, 4 tochtli, 5 acatl, 6 tecpatl, 7 calli, 8 tochtli, 9 acatl, 10 tecpatl, 11 calli, 12 tochtli, 13 acatl, 1 tecpatl, 2 calli, etc., até que acatl voltasse a ser o ano 1, o que se daria depois de completados 52 anos, quando então se celebrava o xiuhmolpilli ou enlace dos anos, momento sempre importante e muito celebrado, pois acreditava-se que em um destes finais de ciclos o mundo voltaria a sofrer cataclismos. Nestas celebrações todos os fogos eram apagados e um novo fogo era acendido, segundo Sahagún em meio da noite, no momento em que as Plêiades atingiam o zênite, o que pesa a favor da posição dos defensores do ano sideral. Este ciclo calendário de 52 anos de 365 dias, era a base organizacional dos livros em forma de anais chamados xiuhamatl. Neste ciclo os dias não recebiam nome, o que ficava a cargo de outro ciclo calendário chamado tonalpohualli.
O termo tonalpohualli ) (Tzol’kin-maia) provém do nahuatl tonalpoa, que significa adivinhar, predizer e contar as festas. Este ciclo de 260 dias – período relacionado ao tempo de gestação humana – estava dividido em vinte períodos de treze dias, ou seja, os vinte signos, ou tonalli, recebiam números de um a treze até operarem-se todas as possíveis combinações com as quais nomeavam-se os dias.
Os tonalli eram: I – Cipactli / Imix (Jacaré), II- Ehecatl / Ik (Vento), III- Calli / Akbal (Casa), IV- Cuetzpalin / kan (Lagartixa) V- Coatl / chicchan (Serpente), VI- Miquiztli / Cimi (elo dos mundos), VII- Mazatl / Manik (Veado), VIII- Tochtli / Lamat (Coelho),     IX- Atl / Muluc (Água), X- Itzcuintli / Oc (Cachorro), XI- Ozomatli / Chuen (Macaco),  XII- Malinali / Eb (Erva torcida), XIII – Acatl / Ben (Cana ou Carriço), XIV- Ocelotl / Ix (Jaguar), XV- Cuauhtli / Men (Águia), XVI- Cozcacuauhtli / Cib (Urubu), XVII- Ollin / Caban (Movimento), XVIII- Tecpatl / Etznab (Pedernal), XIX – Quiahuitl / Cauac (Chuva) e XX- Xochitl / Ahau (Flor).
Dessa forma e nesta seqüência, estes signos recebiam números de 1 a 13 que se repetiam até Cipactli receber novamente o número 1, o que ocorria a cada 260 dias. Vale notar também que os dois ciclos integravam-se formando um só sistema, pois a repetição da combinação entre ambos dava-se justamente a cada 52 anos sazonais ou 73 ciclos de 260 dias (18.980 dias), ou seja, o primeiro dia do xihuitl encontrava-se com o primeiro dia do tonalpohualli justamente na celebração do Fogo Novo.
Mais do que uma forma de apenas contar os dias e os anos, o calendário mesoamericano organizava todas as esferas da vida: as plantações, as viagens, as festas, as guerras, o mercado, o destino e etc.. De acordo com o tonalpohualli, cada dia possuía um signo e um número e estava sob a influência do tonalli que iniciava a trezena da qual fazia parte. Além disto, cada trezena de dias possuía uma espécie de patrono e estava voltada para uma das quatro direções do mundo, o que também implicava em determinadas influências. Para se completar a carga de influências, também era considerada a contagem dos anos sazonais, pois cada um possuía seu signo e número.

Segundo o especialista Gordon Brotherston, o calendário é a pedra de toque na diversidade cultural da região, pois foi um sistema utilizado por mais de 3.000 anos sem interrupção e contou com amplos cálculos de tempo, não igualados por nenhuma outra cultura do passado. O sistema maia padronizou um ano de 360 dias (ano tun) que, através de uma perfeição matemática, rompeu com o ano sazonal, mas não com a sincronia entre os dois ciclos, pois a cada 52 tunes (anos de 360 dias) correspondem 72 tonalpohualli. Os maias freqüentemente utilizaram a chamada conta larga, baseada no sistema numérico vigesimal e utilizada para a contagem de longos períodos, assinalando conjuntos de 20, 400, 8.000, 160.000 anos ou mais.
Os povos mesoamericanos compartilhavam uma complexa e detalhada cosmografia ou visão do espaço. Concebiam o espaço horizontal como dividido em cinco rumos ou direções: poente, nascente, norte, sul e centro, cada qual com suas deidades e influências. Tal concepção refletia-se nas formas de organização urbana – orientando as cidades e dividindo-as geralmente em quatro bairros e centro – e na produção dos próprios códices e mapas. Quanto ao espaço vertical, contavam treze céus e nove inframundos a partir do plano terrestre. Cada um destes níveis celestes ou do Inframundo possuía suas próprias características e eram presididos por deidades diferentes.
Estas diferentes regiões do cosmos estavam ligadas ao destino das pessoas após a morte.
Uma outra realização cultural mesoamericana foi a produção de amoxtli, antigos livros sanfonados confeccionados com papel amate, peles de veado ou telas de algodão. Estes suportes mnemônicos, geralmente em forma de biombos, podem ser classificados em dois tipos principais. Os tonalamatl são livros rituais que têm como princípio de leitura a sincronia do tonalpohualli, e eram utilizados nos prognósticos de todos os aspectos da vida. Outro conjunto é formado pelos xiuhamatl, livros anais que possuem um princípio de leitura diacrônico, ou seja, os anos sazonais e seus acontecimentos memoráveis eram registrados de forma seqüencial através contagem dos anos explicada acima. Este tipo de livro, geralmente, iniciava-se com informações sobre um distante passado, época em que foram criados os vários sóis, para depois seguir narrando acontecimentos mais recentes como as migrações e o estabelecimento de determinados povos, as constituições de alianças e reinos, as guerras e até a chegada dos espanhóis.

Os amoxtli possuíam um papel muito relevante nestas sociedades pois contavam com casas especializadas onde eram guardados – amoxcalli – e especialistas em sua produção – tlacuilo ou tlacuiloani – e leitura. Há ainda outros tipos, como os livros de matrícula de tributos e os mapas, além de referências ao chamado temicamatl ou livro dos sonhos, do qual nenhum exemplar chegou até nós.
Estes livros utilizavam um sistema de escritura com sua própria lógica interna, capaz, segundo León-Portilla, de representar plenamente a seqüência do pensar e a expressão da palavra, com ou sem o auxílio de uma tradição oral paralela. Esta tradição oral paralela era imprescindível no caso dos mixtecos e nahuas e dispensável no caso dos maias, cuja escritura logossilábica possuía dois tipos de elementos glíficos: logogramas (palavras completas) e glifos silábicos. O sistema dos nahuas e mixtecos também contava com os dois tipos de elementos glíficos, mas os glifos silábicos eram bem menos numerosos, pois a utilização deste livros encontrava-se vinculada a uma forte tradição oral. A estes dois tipos de elementos glíficos somavam-se ainda os valores semânticos das cores e outros elementos simbólicos como o tamanho e a posição.
Se pensarmos em todos os povos indígenas americanos e na hecatombe que a conquista representou para praticamente a totalidade destas culturas, a Mesoamérica é uma região privilegiada para os estudos históricos e arqueológicos. Tal privilégio advém da existência dos referidos registros pictoglíficos, contidos nos murais, esculturas, baixos-relevos e códices, não encontrados em nenhuma outra região americana. Desde o primeiro milênio a.C. até o presente foi produzida uma grande quantidade de testemunhos de vários grupos que mostram, apesar da destruição, uma riqueza extraordinária que nos permite pensar sobre a trama deste grande tecido cultural.

 

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