13.31 TEXTOS – Percepção – Cap. 3

20 de agosto de 2015 by in category Textos 13.31 tagged as with 0 and 0

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Por Vinicius (tr3zetrintaeum)

III

Tendo em mente a fisiologia da percepção, antes de começar o aprofundamento no estudo da mudança, é preciso compreender o processo de formação das convicções e crenças. É extremamente interessante que o ser humano possa, como animais pensantes, dispor sobre o raciocínio da consciência estes fatos sobre a fisiologia da crença. Esta situação de estudo utiliza o próprio processo para compreendê-lo, ou seja, é necessária uma crença para tentar entender como se forma a própria crença, assim como é preciso possuir uma língua para falar uma frase que faça sentido. O estudo da crença é uma meta-crença, pois é necessário adquirir a crença de que a crença é passível de ser estudada, ou que seus processos são verídicos. Reforçando que tudo isso são mentiras úteis que podem ampliar o leque de escolhas e possibilidades de um modelo de mundo. O ser humano é como um artesão de si mesmo e tem como processo evolutivo lapidar seu próprio mundo, pode ser que quanto mais próximo do factual externo estiver seu modelo perceptivo, mais integrado com a realidade do universo estará.

No principio nasce ou é aceita uma idéia. Assim como a luz da Gênese, no interior do ser humano, nos primórdios da mente, em algum local do cérebro, sinapses ocorrem e através de transformações elétricas, químicas e biológicas, a idéia se instala e começa a trabalhar.

Esta idéia é decodificada e elaborada num sistema de línguas e pode ser acessada a qualquer momento. De alguma forma ela se repete, e se converte conscientemente em foco, e começa um processo de decisão. Após essa idéia ser acatada, o cérebro, conscientemente ou não, inicia uma busca por informações e novas ideias que possam ser complementares àquela, fazendo com que ela cresça e ganhe força perante o processo de dicidir. Assim que a ideia já está integrada com as outras ideias e material de apoio adquirido, como diversas engrenagens encaixadas no interior da nossa mente, é gerada a nova convicção. Então a convicção seria a planta que germinou das ideias em conjunto que formavam a semente. É um conjunto de ideias que se complementam, podendo ser útil ou não, apropriado ou não, e parece que a mente humana entra num processo de exaltação quando tem esta relação aparentemente congruente de ideias dentro de si, levando a uma possível necessidade de se afirmar nesta convicção e de repassá-la e/ou multiplicá-la de alguma forma, talvez pelo próprio sentido da existência, querendo perpetuar a espécie de alguma forma, mesmo que só na mente de alguém em particular seja a forma correta. O ser humano defende suas convicções, não tanto quanto suas crenças.

Depois de germinada a nova convicção ela pode ganhar mais força quando se encontra com convicções comuns, e mais ideias inéditas para aquele modelo são incluídas. As convicções crescem e se determinam, uma decisão foi tomada dentro do indivíduo e uma porta se fecha para uma nova opção, as escolhas naquela área diminuem e nasce o fruto destas convicções: a crença.

Como todos os processos internos do ser humano, a crença pode gerar estruturas negativas ou positivas (sendo estas duas expressões sempre relativas). Se a crença que uma pessoa decidiu é a de que deve levantar-se e ir atrás de um objetivo, pois suas crenças levam a este resultado, pode ser que ela alcance o que deseja e isso pode ser benéfico. Mas de qualquer forma, após ter alcançado o objetivo da crença, ou o resultado, deve-se tentar deixar de lado as convicções que a geraram para poder aprender mais sobre aquela área. As convicções e crenças podem bloquear o aprendizado, podem sabotar o conhecimento e podem ser as maiores inimigas mentais do homem. Se um médico acha que já sabe tudo de diabetes, se for convicto nisso, certamente que parará ali e não aprenderá mais nada sobre o assunto. Se realmente for convicto disso, não dará importância às novas pesquisas da área, novos métodos de cura e novos tratamentos, sendo assim, parece que será um médico ruim. Deve-se tomar cuidado com as convicções e crenças, não podendo confundir utilização com realidade, deve-se usar aquilo que levará a algum resultado benéfico, não as cegas, mas com escolhas conscientes e decisões justas, mesmo que leve ao fracasso, o que só demonstrará que há partes que devem ser modificadas, aperfeiçoadas ou até criadas na continuidade do mesmo objetivo ou de um próximo.

A crença acaba por ser mais profunda e pode trazer mais malefícios ao modelo de mundo de uma pessoa. A convicção parece ser mais tênue e mais passível de modificação. Uma pessoa pode ter a convicção de que BigMac é o melhor lanche e nunca ter nem comido outro para poder comparar, isso faz com que um programa se instale e sempre ele peça a mesma coisa quando está na frente do caixa, mas se algumas pessoas disserem para experimentar outro lanche e ele confiar nestas pessoas e decidir fazê-lo, derrubará ao solo a sua convicção. Mas quando se tem uma crença fica muito mais difícil esta quebra, pois é necessário ir eliminando diversas convicções e ideias que a formaram, mas é algo possível se for feito o caminho inverso, derrubando as ideias uma a uma que formaram a crença. Algumas crenças podem ser bem destrutivas em relação ao respeito ao próximo, fazendo por exemplo com que pessoas explodam bombas matando milhares de crianças inocentes.

Uma conclusão interessante sobre a fisiologia da crença é que parece que todo o conhecimento humano depende dela. É como se verdades não existissem de fato, apenas creças, úteis ou não, e convicções, positivas ou não, que podem guiar as pessoas para  seus objetivos ou afundá-las no abismo da ilusão e confusão.

O ser humano deve, em suma, utilizar suas crenças e convicções a seu favor e compreender que cada um tem um modelo e atua de forma diversa no mundo. Esta percepção aplicada as relações humanas torna muito mais íntimo o encontro de duas ou mais pessoas, e muitos dos “processos viciosos de comunicação” são excluídos e resolvidos. É importante reconhecer e experimentar como funciona em seu modelo de mundo a formação das suas crenças e convicções, e como funcionam a decodificação do que seus sentidos recebem através dos processos de modelagem humanos de eliminação, distorção e generalização.

Vale ressaltar que assim como uma crença pode ser gerada ou destruída por si mesmo, ela também pode ser gerada ou destruída por outras pessoas que dominam técnicas específicas para este objetivo. Existe um processo de comunicação, muito utilizado por Milton Erickson que trabalha com multitópicos relevantes e sugestionáveis até chegar no tópico principal. Desta forma, ao invés de uma idéia ser implantada diretamente, ela sutilmente vai sendo antes fortificada, estruturada, com uma base firme de outras idéias complementares. Se uma pessoa quer implantar em outra a crença de que esta está apaixonada, por exemplo, ao invés de diretamente falar “você está apaixonada por mim” o que obviamente não funcionaria, ela começa por tópicos que levem a sentimentos, sensações, imagens e sons trazendo ideias que terminarão com a paixão em si. Neste caso a pessoa poderia dizer a outra “Sabe, estes dias estava vendo na televisão sobre o acasalamento dos animais e o quão eles podem levar uma vida unidos e felizes” (primeiro tópico), depois de desenvolver um pouco este tópico pode dizer algo como “Quando era pequeno ia na casa dos meu avós quase todo domingo. Como eles eram unidos. Existia algo entre eles que é possível se experimentar, sabe. Deve ser muito bom poder estar com alguém desta forma” (segundo tópico) e depois continuando “mmmmmm, as vezes temos certos desejos não é mesmo? Um dia, do nada, me deu um desejo enorme de comer uvas, sai correndo para ir ao mercado comprar. E tinha daquelas graúdas que você come com gosto”(terceiro tópico) e por fim chega ao resultado da comunicação gerativa de crenças “Sabe, as coisas podem ser tão positivas e boas quando sente que alguém lhe quer. Engraçado como cada vez mais algo cheio de vontade cresce dentro de nós e parece que temos que decidir sem nem mesmo pensar e deixar, seguro de si, acontecer”. Este tipo de fraseologia usa de verbos bastante inespecíficos, para que a pessoa possa completar lacunas com sua própria experiência. Este exemplo foi posto apenas para se ter uma ideia de como pode funcionar o processo de criação de uma crença. Não é apenas o que se diz que levará a um resultado, são diversas ações que devem ser feitas simultaneamente para tal, como movimentos específicos em momentos congruentes com o que se fala, mudança de ritmo e tonalidade em palavras “chaves” dentre muitas outras ferramentas que juntas formam esta habilidade. Este caso foi tão somente relatado aqui com a finalidade de se pensar sobre o quanto nossas crenças e convicções são frutos do nosso modelo de mundo e o quanto elas podem ser prejudiciais quando usadas para tirar proveito das pessoas.

As convicções e crenças podem ser também extremamente úteis quando se pensa nelas como pontos de congruência de ideias dentro de um modelo próprio de mundo cheio de referências sociais e interferências neurológicas e individuais. Crenças positivas em indivíduos que permitem esta noção dissociada da própria crença, podem gerar grupos extremamente integrados e fortes, assim como convicções positivas podem levar as pessoas, que sabem usá-las como ferramenta e não como regra geral, ao seu crescimento pessoal em todos os níveis da vida. Lembrando que positividade é um termo que também sofre a influência da realtividade da percepção dentro do modelo de mundo individual. O que é positivo para um pode ser negativo para outro, fazendo com que obrigatóriamente, num grupo, haja total funcionalidade em busca de um objetivo comum e que esteja dentro dos limites de uma útil “ética de respeito ao próximo e também ao ambiente externo”.

Tendo-se em consciência o processo de elaboração e formatação de uma crença e convicção é possível ampliar o processo de desenvolvimento mental, pois pode-se conscientemente ser juízes de si mesmos, no sentido de dar-se mais escolhas para compreensão e assim estabelecer mudanças potentes e construtivas. Sabendo que as pessoas são únicas, com suas crenças em comum com outras ou não, com suas convicções particulares, com seus modelos de mundo, com suas percepções filtradas, suas representações do mundo moldadas, eliminadas, generalizadas e distorcidas, é muito mais fácil entendê-las ou tentar buscar a que experiências suas respresentações são relacionadas e assim ajudá-las a se modificarem, como ajudar a si mesmo neste processo. Assim, se uma pessoa está cabisbaixa com olhar enfurecido dizendo “eles não gostam de mim”, não pode-se tirar conclusões precipitadas, e sim apenas a princípio guiá-la num processo de reconhecimento interno das suas estruturas referenciais, pois as pessoas a princípio não conhecem nada do processo interno dos outros que possa dar margem a esclarecimentos. Mais útil seria perguntar obtendo maior especificação, porém isso também nada garantirá como fato, pois será o ponto de vista da pessoa dentro do modelo de mundo pessoal dela. Esta ideia demonstra que os conteúdos da comunicação podem ser sabotados, e geralmente o são, e por esta razão é mais verídica a relação processual entre as pessoas, pois os processos que ocorrem nelas nos dão mais informações verificáveis do que seus conteúdos verbais.

A psicoterapia de mentes brilhantes como Milton Erickson, Virgia Satir  dentre outros, utilizavam muito esta ferramenta de trabalhar com o processo e não somente com o conteúdo, pois o conteúdo consciente pode ser extremamente inespecífico ou até traumático para ser posto em tona. Um dos modos que pode-se trabalhar com o processual de um “problema” ao invés de analisar e focar no conteúdo do mesmo é através das nominalizações, como descritas no início deste livro, dependem apenas da experiência do indivíduo não incluíndo conteúdo, desta forma menos informação moldada e distorcida fará parte do conjunto todo.

Blander e Grinder em seus seminários explicam de diversas formas as variadas ferramentas que trabalham em terapia breve com o processo isento de conteúdo. Eles decodificaram técnicas Ericksonianas e de outros mestres do comportamento humano e expuseram de forma explícita, sistemática e de fácil aprendizado. Para maior aprofundamento ver este material.

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